Finanças comportamentais: #5 – Ilusão de controle

Imagem por Pixabay.

Já dissera Guimarães Rosa que “viver é muito perigoso”, sendo o aprender a viver o próprio viver em si. Na contundente verdade por trás das palavras do escritor brasileiro, está a evidente certeza de que ao longo da vida decisões difíceis, incertas e erráticas serão tomadas até que se possa atingir resultados efetivamente satisfatórios. Mas será que bons resultados tendem a ser realmente fruto do estudo e habilidade de analisar e tomar boas decisões ou mero fruto do acaso?

O desejo de sempre terem total domínio da situação que cerca o contexto decisório e de, consistentemente, obterem provas que confirmem isso, é algo que as pessoas buscam ter ao longo de toda a sua vida. Todavia, existem resultados de decisões que foram fruto da competência e habilidades e outros que simplesmente ocorreram por mera sorte. Uma pessoa ganhar um prêmio de loteria deriva de sua crença em ganhar ou apenas na fortuidade da sorte?

Ainda que muitos apostadores tenham uma “fé” inabalável de que será contemplado a qualquer momento, a verdade é que para ganhar o prêmio não há nada mais que se possa fazer, além de apenas tomar a decisão de adquirir um bilhete de loteria. É claro que haverá os que defendam que fazer orações com convicção aumentam as chances de premiação. Não há o que dizer a esses, ainda que muitos que promovam orações constantes não estão no rol dos ganhadores. Antes de continuar, este artigo não se propõe a desqualificar a fé de ninguém, mas sim de destacar a diferença entre habilidade e sorte.

No artigo seminal sobre ilusão de controle, Langer (1975) destaca que as pessoas reconhecem que habilidade e sorte se sobrepõem em muitos momentos da vida e que elas têm dificuldade de reconhecer com clareza em que circunstâncias uma ou outra tem maior destaque. Ou seja, em muitas situações não é simples identificar quando que foi habilidade e talento e quando foi apenas a sorte que levou ao resultado positivo de uma decisão. Mesmo no caso de jogos de azar, onde parece ser óbvia a total contribuição da sorte, muitas vezes as pessoas acreditam que foi o fato de terem seguido algum ritual (não necessariamente sagrado ou sobrenatural) que a levaram a ganhar.

A ilusão de controle, ainda segundo Langer (1975), diz respeito a expectativa das pessoas em torno da probabilidade de sucesso pessoal muito maior do que as chances efetivamente reais de sucesso em torno de um resultado. Isso pode acontecer em diversas situações, tais como em competições, em apostas, em empreendimentos diversos e em decisões de investimentos. Em geral, as pessoas tendem a se julgar mais competentes e capacitadas do que de fato são. Um exemplo mais simples é a percepção que a maioria tem quando estão dirigindo. A impressão que têm é que quase todos os demais motoristas são verdadeiros “barbeiros”, quando comparados a si.

Heath e Tversky (1991) identificaram que as pessoas preferem apostar em suas próprias crenças quanto a um futuro incerto e incontrolável, acreditando que terão resultados melhores, mesmo que isso não encontre amparo probabilístico. Para comprovar uma de suas hipóteses, Heath e Tversky (1991) colocaram os participantes de um experimento para selecionarem entre duas opções de apostas: (i) sobre se uma ação qualquer haver subido no dia anterior (os participantes não poderiam saber que ação era essa) ou (ii) se uma ação qualquer, também desconhecida, subiria no dia seguinte.  A maioria das pessoas escolherem apostar na opção futura.

Ainda que ambas as opções apresentassem resultados probabilisticamente equivalentes, as pessoas parecem considerar o futuro como sendo mais interessante, dada uma crença de resultados promissores quanto ao que estar por vir. Ou seja, o futuro parece ser mais encantador do que o passado. As crenças infundadas quanto ao futuro tendem a ocorrer com maior frequência, especialmente quanto a questões que estão fora do poder de controle.

Boa parte dos investidores no mercado de ações, que operam com ordens de curtíssimo prazo (do tipo day trade ou scarper) acreditam que detêm uma capacidade acima da média para obterem resultados positivos, ainda que as estatísticas provem o contrário. Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2021) mostra que a grande maioria dos investidores perde dinheiro em operações do tipo day trade. Curiosamente, não faltam youtubers e influenciadores afirmando o contrário e atraindo um séquito de “iludidos” (é um bom termo?).

As decisões de investimento carregam consigo grande conjunto de variáveis de risco que entregam muita incerteza quanto ao seu resultado futuro. Isso não quer dizer que não haja habilidade e competência por parte dos investidores ao escolher onde colocar seus recursos. Contudo, essa habilidade se conquista com dedicação aos estudos, sob pena de entregar totalmente à sorte as chances dos resultados. O reconhecimento daquilo que está sob o poder real de intervenção de cada um ajudará a dedicar esforços ao que realmente faz sentido. No mais, contar com uma pitada de sorte não faz mal a ninguém, pelo contrário.

Nada melhor do que estar “no lugar certo na hora certa”. Alguém já disse que sucesso é quando a oportunidade encontra alguém preparado para aproveitá-la. Seja no mundo dos negócios, dos investimentos ou em outros diversos aspectos da vida, que a posição assumida permita aproveitar as oportunidades que estão por vir. Quanto ao mais, que os desígnios do destino ou da sorte possam escolher o que te entregar de prêmio. E veja lá o que vai fazer com esse prêmio, pois pode ser que ele aconteça apenas uma vez, mesmo que não falte fé em acreditar o contrário.

 

 

Robson Braga
Sócio-fundador da BR2 Consultoria Empresarial
Professor de Finanças da Universidade do Estado da Bahia

 

  • Heath, C., & Tversky, A. (1991). Preference and belief: Ambiguity and competence in choice under uncertainty. Journal of risk and uncertainty4(1), 5-28.
  • Langer, E. J. (1975). The illusion of control. Journal of personality and social psychology32(2), 311.
  • FGV (2021). https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/noticia/2021/02/08/apenas-5percent-de-day-traders-experientes-ganharam-mais-de-r-10-mil-por-mes-mostra-novo-estudo-da-fgv.ghtml

Redação BR2

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