Finanças comportamentais: #11 – Disponibilidade e efeito manada

Imagem de Free-Photos por Pixabay

Imagine que te fosse questionado sobre o que matou mais pessoas na última década do século XX nos EUA[i], a partir das seguintes opções: i) tabaco; ii) dieta pobre e inatividade física; iii) acidentes com veículos a motor; iv) armas de fogo e; v) uso ilícito de drogas. Qual opção você escolheria? E se tivesse que dizer qual foi o número de mortes por cada uma dessas causas, quais seriam suas estimativas? Enquanto pensa a respeito (a resposta estará ao fim do artigo), saiba que o nosso processo decisório é muito influenciado por algo denominado de heurística da disponibilidade.

Segundo essa heurística, as pessoas tendem a avaliar a frequência, a probabilidade ou as causas prováveis de um evento pelo grau de relevância desses eventos, conforme estejam imediatamente disponíveis na memória[ii]. Aquilo que as pessoas lembram mais facilmente costuma ter mais “peso” em suas ponderações sobre importância. No momento atual de pandemia, as causas de mortes mais prováveis parecem estar associadas à Covid-19, ainda que a doença cardíaca permaneça no topo da lista, tendo ceifado quase 9 milhões de vidas só em 2019, segundo a OMS.

No mundo dos investimentos, parece fácil para um investidor iniciante achar que no mercado financeiro as ações da Vale e Petrobras são as mais interessantes para se investir, uma vez que representam os papéis mais negociados da bolsa brasileira e por isso são mais facilmente lembrados. Contudo, essas ações estão longe de serem as mais lucrativas, mesmo que não sejam investimentos ruins (em tempo, aqui não se está fazendo recomendação de compra ou venda de títulos mobiliários).

Nos dias atuais, tem chamado a atenção (mais uma vez!) dos investidores as criptomoedas, estando a cotação do Bitcoin (a mais conhecida e negociada de todas) flertando com o topo histórico, em torno dos 60 mil dólares. É curioso pensar, contudo, que muita gente resuma o mercado de criptomoedas ao Bitcoin, uma vez que existem mais de 10 mil moedas (10.810 em agosto de 2021, para ser mais preciso[iii]) listadas na base da CoinMarketCap, uma das maiores agregadoras de dados sobre criptoativos do mundo. A disponibilidade de informações sobre o Bitcoin, porém, suplanta praticamente a de todas as outras.

A mídia contribui fortemente com a heurística da disponibilidade, fazendo com que a percepção das pessoas sobre eventos recentes se torne mais representativa em suas avaliações. Isso pode gerar um fenômeno perigoso, quando se trata de mercado financeiro, no que passou a ser chamado de “efeito manada”. Esse nome se deve ao comportamento assumido por animais que vivem em grandes grupos, como os antílopes[iv]. Para se proteger dos predadores, esses animais se agrupam e quando percebem a ameaça saem em disparada, em um forte movimento de galope irracional, que se baseia apenas no movimento do companheiro ao lado. Ou seja, o que um animal faz os demais repetem.

O grande problema de tomar decisões de manada é que você não está vendo para onde está indo, está apenas copiando o movimento do outro, que pode também estar perdido. No mercado financeiro, o movimento de manada é notado quando um volume grande de negociações é realizado com base em boatos ou em eventos que sequer foram confirmados e que podem ser meras especulações pontuais. Em outras palavras, a decisão da manada não é baseada em fatos, mas em rumores ou ações dispersas.

Há quem julgue que o movimento que tem feito os preços das moedas virtuais dispararem é o efeito manada. Se isso é verdade ou não, fica a critério de cada investidor julgar. Mas é curioso imaginar que o simples fato de um grande empresário postar uma foto ao lado do seu cachorro de estimação possa fazer a cotação de uma criptomoeda com imagem de um cão (por sinal, originada de meme) disparar.

As pessoas tendem a se enveredar pelo efeito manada, pois ele parece ser “seguro”. Essa segurança, ainda que muitas vezes ilusória, deve-se ao fato de as pessoas não quererem ficar de fora de uma “festa” em que todos estão se divertindo. O problema é que muitos chegam animados em uma festa que já acabou e vai simplesmente limpar a sujeira deixada pelos que realmente se divertiram. Ficar de fora de uma festa é melhor ou pior do que chegar no seu fim?

Outro ponto é que obter recomendações de pessoas em quem se confia pode parecer algo a prova de falhas. Veja quantas pessoas questionam umas às outras onde investir, sem se dar ao trabalho de estudar se realmente faz sentido colocar seu dinheiro na recomendação. Tomar decisões baseadas na disponibilidade daquilo que está na moda ou que simplesmente representa o “que está todo mundo fazendo” pode até trazer resultados satisfatórios, do mesmo modo que o antílope que se embrenhou no meio dos colegas de rebanho e sobreviveu ao ataque do predador. Mas como não atribuir isso a um mero golpe de sorte?

Para encerrar, voltando às perguntas do início do artigo, a ordem em que estão postas as causas de morte é exatamente aquela. Ou seja, tabagismo mata mais, seguido de dieta pobre e inatividade física, representando um total de 435.000 e 400.000 mortes anuais, respectivamente. Acidentes de carro ceifaram 43.000 vidas e, por fim, os que mais aparecem na mídia, armas de fogo e uso ilícito de drogas com 29.000 e 17.000 mortes cada um. Claro, vale lembrar, esses dados são dos anos 1990 nos EUA. Contudo, é um bom exemplo do que a heurística da disponibilidade pode fazer com nosso imaginário.

É muito mais provável que uma pessoa qualquer venha a morrer por uma doença do que por um acidente de trânsito, mas dificilmente você verá uma notícia que reporte que uma pessoa veio a óbito por um problema respiratório (exceto se estiver associado à Covid-19 – o tema do momento). O mesmo não pode ser dito de um acidente de carro fatal. Que fique claro não há nada de errado com a postagem das causas de mortes no mundo, mas é importante estar atento a como a disponibilidade pode afetar sua percepção sobre a relevância dos eventos. Suas decisões agradecem!

 

Robson Braga
Sócio-fundador da BR2 Consultoria Empresarial
Professor de Finanças da Universidade do Estado da Bahia

 

[i] Mokdad, A. H., Marks, J. S., Stroup, D. F., & Gerberding, J. L. (2004). Actual causes of death in the United States, 2000. Jama, 291(10), 1238-1245.

[ii] Tversky, A., & Kahneman, D. (1973). Availability: A heuristic for judging frequency and probability. Cognitive psychology5(2), 207-232.

[iii] https://exame.com/future-of-money/numero-de-criptomoedas-em-circulacao-explode-em-2021-e-passa-de-10-000/

[iv] Nofsinger, J. R. (2011). A lógica do mercado de ações.

Redação BR2

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