Finanças comportamentais: #10 – O viés da negatividade no ambiente decisório

Foto criada por yanalya – freepik.com

Já notou como parece que há um prazer mórbido das pessoas em torno de reportes negativos? É como se coisas negativas tornassem as coisas mais “divertidas”. Se tem dúvidas, passe a observar como as pessoas costumam reagir a notícias negativas frente às positivas. Notícias negativas circulam mais rápido, são mais compartilhadas e discutidas do que notícias positivas. Estudo de Peeters e Czapinski (1990) já demonstrava que as pessoas costumam reagir mais fortemente a estímulos negativos do que a estímulos positivos, igualmente intensos.

A esse comportamento, Kanouse (1984) denominou de “viés de negatividade”, segundo o qual as pessoas dão mais peso a eventos negativos do que a eventos positivos. E mais, destacam os pesquisadores Rozin e Royzman (2001), a negatividade dos eventos negativos cresce mais rapidamente do que a positividade de eventos positivos. Ou seja, algo que está sendo reportado como ruim tende a receber mais carga negativa com o passar do tempo do que algo positivo recebe de carga positiva. É por isso que há uma sensação comum de que as coisas parecem só piorar dia após dia.

Note como nos tempos de pandemia as notícias negativas recebem mais destaque e “alimentação” do que as positivas. Isso faz com que a percepção de que o “mundo está se acabando” seja mais evidenciada e uma espécie de desesperança paire no ar. Pessoas que tentaram fugir dessa carga de negatividade diária e pesada passaram a não mais assistir o noticiário ou acessar páginas de jornais na internet, por exemplo.

A velocidade com que as informações circulam no mundo torna o viés de negatividade ainda mais evidente, gerando, inclusive, uma ilusão de que estamos vivendo os piores dias de todos os tempos. Por mais que isso possa gerar discussões e obter apoio de muitos, a verdade é que o mundo sempre teve seus dias sombrios e suas crises, das mais diversas classes. Mas, por conta de um outro viés, sobre o qual falaremos no próximo artigo dessa série, há uma tendência a aceitar o que está em evidência como sendo mais representativo. Assim, os dias negativos de hoje são mais claros do que aqueles de outros tempos.

Alimentar o viés de negatividade com o viés de confirmação, torna tudo ainda mais impactante. E, como isso tudo afeta o processo decisório? De forma relevante, pode ter certeza. Um desses efeitos é elevar a aversão ao risco por parte dos investidores, particularmente aqueles que já se declaram conservadores. Além disso, tende a fazer com que haja uma tendência a realizar operações ruins, por conta da crença de que tudo pode piorar ainda mais, conforme mostram os constantes reportes negativos.

Em estudo realizado no contexto da Covid-19 (Braga, 2021), pude perceber que a exposição a notícias negativas pode fazer as pessoas tomarem decisões de investimento que as levem a ter perdas muito maiores do que se não estivessem sido expostas a tais notícias. Ou seja, há uma tendência das pessoas de tomarem decisões precipitadas de compra e ou venda de ativos financeiros, quando envoltas no viés da negatividade.

A mídia sabe que notícias negativas dão mais audiência do que notícias positivas equivalentes. Falar das mortes é mais relevante para o público do que destacar quantos sobreviveram. Os falidos são mais atraentes do que os que superaram uma crise financeira. Criminalidade, violência, fome e morte sobressaem mais no noticiário do que ações que as combatam. Do lado da economia, desemprego, inflação e juros merecem mais atenção quando estão em alta do que em queda. Isso porque o público gosta da “sangria” dos fatos negativos. Não se quer dizer que os eventos negativos não devam ser reportados ou que se deva censurar qualquer publicação, pelo contrário. Está-se simplesmente sinalizando que há um viés no contexto das notícias que precisa ser considerado quando da análise para fins decisórios.

Sempre foi assim e há de continuar sendo. Os mais lutuosos temas da vida em sociedade é algo que atrai a atenção da massa de consumidores ávidos por tragédias. Um reality show que não mostre brigas e tretas não dará tanto retorno para um canal de tv ou um serviço de streaming. Intrigas e fofocas são elementos tão íntimos na vida da maior parte da população que chegam a invadir locais “sagrados”, como o ambiente de trabalho e os bem-intencionados grupos de oração da igreja.

A verdade é que não dá para se livrar da negatividade do cotidiano, mas, sabendo de sua existência, é possível se vacinar, evitando dar muito peso a eventos que mostram apenas um lado da história ou buscando elementos factuais que possam validar se o que está sendo reportado realmente merece a tinta com que está sendo tingido. Se isso ficar confirmado, veja de que modo isso tudo poderá realmente afetar sua vida e pondere tal impacto em seu processo decisório, buscando as melhores rotas de ação. Só não vá se alimentar da primeira informação, seja ela positiva ou negativa, que te chega aos ouvidos ou pelas redes sociais. E olha que não se está nem falando das fake news, imagine ainda se elas estiverem apimentando todo esse contexto. É como se diz, “não está fácil para ninguém”, mas não é preciso piorar ainda mais aquilo que pode já não estar bom.

Alimente o que te faz bem e deixe morrer de fome o que só causa negatividade, mesmo que ela obtenha restos para comer de alguém ou revolva as lixeiras da maldade. Que a força esteja com você! Boas decisões!

 

Robson Braga
Sócio-fundador da BR2 Consultoria Empresarial
Professor de Finanças da Universidade do Estado da Bahia

 

  • Braga, R. (2021). O efeito das notícias negativas sobre o comportamento dos investidores: um estudo em tempos de Covid-19. In.: Anais do 21º USP International Conference in Accouting. São Paulo.
  • Kanouse, D. E. (1984). Explaining Negativity Biases in Evaluation and Choice Behavior: Theory and Research. Advances in Consumer Research, 11(1).
  • Peeters, G. & Czapinski, J. (1990). Positive-negative asymmetry in evaluations: The distinction between affective and informational negativity effects. European Review of Social Psychology, 1(1), 33-60.
  • Rozin, P. & Royzman, E. B. (2001). Negativity bias, negativity dominance, and contagion. Personality and Social Psychology Review, 5(4), 296-320.

Redação BR2

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