Finanças comportamentais: #9 – Efeito disposição e a dificuldade de assumir perdas

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O cérebro gosta de nos entregar a boa sensação gerada por resultados positivos, ou seria o contrário, nós que gostamos de entregar ao cérebro a boa sensação dos ganhos? Seja como for, queremos sempre ganhar e isso é algo óbvio! O que pode não ser óbvio é o que estamos dispostos a fazer para termos a sensação dos ganhos, mesmo quando estamos perdendo.

Investidores são expostos diariamente à escolha decisória de vender ativos com ganhos ou com perdas. Independente do tempo pelo qual pretendam deixar os recursos aportados em suas aplicações, ocorre uma tendência de as pessoas venderem títulos com lucro antes da venda daqueles com prejuízo.

Quando diante da necessidade de realizar operações de venda, os investidores tendem a optar por se desfazer dos ativos lucrativos e manter na carteira aqueles que estão dando prejuízo. Esse fenômeno, conhecido como efeito disposição (disposition effect), está bem fundamentado na literatura das finanças comportamentais, tendo sido originalmente identificado nos estudos de Shefrin e Statman (1985). Pelo efeito disposição a venda de ativos lucrativos é realizada muito mais precocemente, fazendo com que os ganhos sejam menores do que poderiam, visto que se sustenta por mais tempo os títulos perdedores.

A princípio, pode parecer contraintuitivo vender ativos que estão dando prejuízo. Há uma expectativa de que as coisas poderão mudar e ocorrer “uma virada”, que fará os investimentos perdedores passarem a ser lucrativos. Assim, quando precisam realizar a venda de algum ativo, muitas pessoas optam por liquidar os ativos que está gerando lucro, estancando o ciclo lucrativo que vinham tendo com esses investimentos e sustentando os ativos que seguem gerando perdas. Isso gera um “conforto cognitivo” momentâneo, uma sensação de “vitória”. Ora, acabou-se de trazer para a conta um saldo maior do que o que foi investido, pelo menos para o ativo que foi vendido.

O problema de se optar por vender ativos vencedores e sustentar os perdedores é que nem sempre a tão esperada “virada” ocorre. Na verdade, segundo estudo de DeBondt e Thaler (1985), há uma tendência de as ações vencedoras continuar a vencer e as perdedoras de seguirem perdendo. Então por que os investidores seguem com o comportamento de segurar ativos que tendem a seguir perdendo valor?

Dentre os diversos aspectos trazidos pela literatura para explicar o efeito disposição, um deles está associado com a contabilidade mental (mental accounting). Segundo esse viés cognitivo, as pessoas não costumam fazer uma análise ponderada de seus investimentos, mas sim de maneira individual. Contaminados ainda pelo efeito dotação (que tratamos em outro artigo), as pessoas consideram que não devem realizar a venda de algo que entendem estar “barato”, por entenderem que aquilo vale muito mais do que conseguiria obter naquele momento (no caso da venda com prejuízo).

Esse comportamento é comum em alguns comerciantes, que evitam conceder descontos para a venda de produtos encalhados. A chance de conseguirem uma nova oportunidade de se desfazer do estoque daquele item de baixa procura é pequena, mas conceder um desconto que pode significar “perda” é considerado inaceitável. Logo, preferem seguir com o produto empoeirando nas prateleiras. Outros comerciantes, mais astutos, contudo, preferem trazer o dinheiro para o caixa e comprar produtos que trarão mais lucro, compensando a perda pontual do momento.

Em pesquisa que realizamos (Braga & Fávero, 2017) os participantes de um experimento tiveram a oportunidade de decidir pela venda de ações com ganhos ou perdas. Pela manifestação do efeito disposição, boa parte decidiu pela venda das ações com ganhos “cedo demais”, o que reduziu seus lucros. Por outro lado, os papéis com perdas foram segurados por muito mais tempo, o que aumentou seu prejuízo. Ou seja, o efeito disposição tende a gerar um efeito negativo duplo: vender cedo o que ainda tinha potencial de alta e deixar para vender tardiamente aquilo que ainda tem muita perda a gerar.

Avaliar o senso de oportunidade e a tendência dos preços é algo fundamental para quem deseja realizar bons negócios, seja no mercado financeiro ou no mundo real. Reconhecer que um negócio não foi bom e aceitar a perda, partindo para um novo projeto com potencial lucrativo maior não é ser derrotado, mas sim ser honesto consigo mesmo e corajoso. Retardar a acertada decisão de se livrar de um negócio ruim ou uma ação perdedora só fará com que no futuro a lembrança das oportunidades perdidas tragam ainda mais remorso. Que diga aqueles investidores que viram suas ações virarem pó quando as empresas em que apostaram, e teimaram que iriam se recuperar, faliram.

Acredite, o efeito disposição é mais comum do que se imagina e mesmo investidores experientes se veem presos em seu abraço apertado. Se tem dúvidas, pode dar uma olhada em sua própria carteira de investimentos ou converse com algum amigo investidor de confiança a respeito. É provável que tenha ativos que nem você mesmo ou ele saiba por que ainda seguem em suas carteiras. De todo modo, não estou aqui recomendando ninguém comprar ou vender coisa alguma. Até porque eu não tenho poderes sobrenaturais de saber o que cada um carrega consigo. Contudo, não custa nada observar de vez em quando o que se leva na mochila, sob pena de carregar pedras achando que são frutas.

 

Robson Braga
Sócio-fundador da BR2 Consultoria Empresarial
Professor de Finanças da Universidade do Estado da Bahia

 

  • Braga, R., & Fávero, L. P. L. (2017). Disposition effect and tolerance to losses in stock investment decisions: An experimental study. Journal of Behavioral finance18(3), 271-280.
  • DeBondt, W. F., & Thaler, R. (1985). Does the stock market overreact? The Journal of Finance, 40(3), 793-805.
  • Shefrin, H., & Statman, M. (1985). The disposition to sell winners too early and ride losers too long: Theory and evidence. The Journal of Finance, 40(3), 777-790.

Redação BR2

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