Finanças comportamentais: #4 – A maldição do arrependimento

Imagem de Fathromi Ramdlon por Pixabay

Existem muitas pessoas que insistem em seguir com negócios evidentemente falidos. Para tentar recuperar as perdas, vendem carro, casa e outros bens para injetar no negócio, quando já não é mais possível captar recursos ou postergar ainda mais dívidas já atrasadas. E só para não parecer que isso ocorre só no mundo dos negócios, o mesmo pode acontecer com relacionamentos, carros velhos e outras tantas coisas das quais se têm grande dificuldade de abandonar. E por que isso acontece? Parte da explicação está em viés comportamental denominado de “aversão ao arrependimento” (Shefrin & Statman, 1985).

A aversão ao arrependimento representa uma tendência de retardar decisões que causam perdas, pelo fato de se acreditar que o futuro poderá fazer tudo retornar ao “normal”. Nofsinger (2011) traz o exemplo de um apostador que semanalmente joga os mesmos números na loteria. Em determinado momento, um amigo o sugere a apostar números distintos. Será que ele aceitaria abandonar os números antigos? E se justamente, pensa ele, na semana em que decidir trocar os números, os costumeiros forem sorteados? Esse tipo de pensamento é comum entre os que se rendem ao viés do arrependimento.

Note que no exemplo dos números da loteria, não faz o menor sentido sustentar a aposta nos mesmos números, uma vez que a probabilidade de ocorrência dos números antigos é a mesma dos números novos. Contudo, não é assim que pensam aqueles que se valem, adicionalmente, de superstições ou crendices, associados ao viés do arrependimento. Tomar decisões que podem levar a resultados que parecem distintos daqueles em que se acreditam, é um dos “argumentos mentais” dos que se apegam à insistência em escolhas infundadas.

Alimentar o cérebro com decisões que levam a ganhos é muito mais satisfatório do que o inverso. Desse modo, postergar decisões que entregam resultados negativos é algo que retarda a dor psicológica de ter a confirmação de uma perda. Imagine-se na posição de um investidor que precisa resgatar R$ 100.000,00 de seus investimentos para cumprir necessidades pessoais. Diante dele há duas opções de resgate, envolvendo investimentos em ações, uma com lucro de 20% e outra com perdas de 20%. Qual delas será que esse investidor escolheria?

Antes de ilustrar os resultados dessa escolha, coloque-se no lugar desse investidor e pondere um pouco a respeito dessa questão. Seria melhor resgatar a opção com lucro e sair com a sensação de “vitória”, por ter saído de uma operação lucrativa, mostrando que sua escolha de investimento foi bem-sucedida; ou, não, é melhor liquidar a operação negativa, considerando que ela não foi interessante e, por isso, deve ser desfeita, mesmo assumindo as perdas associadas ao saque?

Segundo o viés do arrependimento, muitas pessoas tenderão a manter o investimento perdedor pela crença de que ele pode “virar” a qualquer momento ou que o futuro reverterá as perdas de hoje em ganhos. Em outras palavras, a ponderação é: “e se no dia em que eu vender a ação ela começar a subir?”. Explicado o porquê da denominação do título: “a maldição do arrependimento”. Muitos se veem aprisionados à decisão de manter o investimento ruim, a empresa falida ou o relacionamento fracassado pela crença, ainda que, muitas vezes, sem fundamento, de que as coisas poderão melhorar a qualquer momento.

Vamos retornar ao exemplo da venda de ações. A pessoa tem que decidir se venderá as ações com ganhos ou com perdas. Para ilustrar essa questão, vamos considerar que haja uma tributação de imposto de renda de 15% sobre os lucros (como de fato ocorre no mercado brasileiro, especialmente para operações de venda normais acima de R$ 20 mil mensais). Vejamos, então, o impacto do resultado das decisões na Tabela 1 a seguir (adaptado de Nofsinger, 2011).

Tabela 1: Ganhos de capital e efeito tributário da decisão

Venda Ação ganhadora Ação perdedora
Recursos obtidos com a venda R$ 100.000,00 R$ 100.000,00
Custo da operação R$ 83.333,33 R$ 125.000,00
Ganhos tributáveis (lucro) R$ 16.666,67 (R$ 25.000,00)
IR (15%) a pagar/crédito R$ 2.500,00 (R$ 3.750,00)
Recursos após os impostos R$ 97.500,00 R$ 103.750,00*

Nota: (*) o crédito tributário não é um recurso líquido que entra na conta do investidor, mas um saldo credor de sua conta tributária.

Os dados da Tabela 1 mostram que a venda da ação lucrativa gerará um imposto a pagar, à base de 15% sobre os lucros, que reduzirá a disponibilidade de caixa do investidor. Já a decisão com perda não reduzirá o valor obtido com a venda e ainda produzirá um efeito tributário de crédito a compensar sobre os lucros futuros. A diferença entre as duas operações mostra que a estratégia de venda perdedora representará uma preservação de fluxo de caixa que poderá ser relevante na recuperação da perda sobre a operação com prejuízo. Caso a decisão de venda com ganhos seja realizada, gerando o pagamento do imposto sobre o ganho de capital, e a ação perdedora não se torne ganhadora quando for realmente necessário vendê-la, o investidor só aumentará as suas perdas. Pagou imposto sobre o lucro, quando deveria ter se compensado dos prejuízos anteriores.

Assim, a decisão de vender a ação ganhadora gera um impacto tributário de imposto a pagar, que reduz os recursos disponíveis do investidor. Enquanto a decisão de vender a ação com perda acumula o crédito de imposto a compensar que eleva o potencial de ganho futuro, haja vista o custo de oportunidade da operação e do recurso que deixou de sair do caixa do investidor. Além disso, em tese (tudo o mais constante), é mais provável que investimentos vencedores sigam gerando ganhos e que os perdedores continuem dando prejuízo, do que o inverso (vide os fundamentos das ideias keynesianas).

Mas a intuição não fará com que se veja dessa maneira, ainda mais que muitos investimentos não costumam considerar o efeito tributário em suas decisões de compra e venda de ativos, e percam a oportunidade de melhorar a gestão dos fluxos de caixa de suas operações. Nem sempre retardar uma decisão ruim para o futuro fará com que ela venha a se converter em um bom negócio. Ainda que, claro, sempre haja exceções, que precisam ser bem avaliadas e não simplesmente entregues aos braços da sorte. Mas, e você, já ficou apegado a negociações falidas ou conseguiu romper com a maldição do arrependimento? Enquanto pensa a respeito, aguarde nosso próximo artigo, que segue com os desdobramentos do viés do arrependimento. Boas decisões!

 

Robson Braga
Sócio-fundador da BR2 Consultoria Empresarial
Professor de Finanças da Universidade do Estado da Bahia

 

  • Shefrin, H., & Statman, M. (1985). The disposition to sell winners too early and ride losers too long: Theory and evidence. The Journal of finance40(3), 777-790.
  • Nofsinger, J. R. (2011). A lógica do mercado de ações. São Paulo: Editora Fundamento Educacional.

Redação BR2

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