Finanças comportamentais: #3 – Efeito framing: uma armadilha?

Imagem por Geekonomics.

Em novembro de 2015, a Vale estava diante dos desdobramentos do desastre que ficou conhecido como “tragédia de Mariana”, resultado do rompimento da barragem de Fundão, localizada na cidade mineira e operada por uma de suas controladas, a Samarco. Os impactos ambientais e sociais desse terrível evento foram amplamente divulgados na mídia, sendo desnecessário relembrá-los aqui. Os efeitos sobre a imagem e os resultados financeiros da companhia foram relevantes e se desdobraram especialmente entre os anos de 2016 e 2017.

Na publicação de um dos seus relatórios de resultados trimestrais, chamou a atenção o fato de dois veículos de comunicação de notícias financeiras apresentarem para o mesmo relatório, no mesmo dia, chamadas como “lucro da Vale sobe” e “lucro da Vale despenca”. Curiosamente, as duas chamadas estavam corretas, era só uma questão de parâmetro de referência. O site que destacava que o lucro tinha subido estava comparando o resultado daquele trimestre com o do trimestre imediatamente anterior. Já o outro portal de notícias comparava o resultado do período com o do mesmo período do ano anterior. O que se pode tirar de exemplo desse episódio? Que a forma como a notícia é estruturada pode dizer algo “bom” ou “ruim” sobre um mesmo fenômeno, dependendo do que esteja sendo destacado.  A esse processo denomina-se “efeito de enquadramento” ou efeito framing.

Quando Kahneman e Tversky (1979) desenvolveram os estudos que renderam a teoria do prospecto, eles mostraram que as pessoas têm aversão ao risco e como o efeito framing influenciam as decisões. No caso das citadas notícias sobre a Vale, ler que o lucro “subiu” pode gerar uma percepção e uma indução decisória diferente (busca do risco) do que dizer que ele “caiu” (aversão ao risco), ainda que ambas estejam corretas, cada uma sob o seu prisma.

O efeito da formulação da narrativa de um evento é um dos mais poderosos vieses cognitivos aos quais todos os indivíduos estão sujeitos. Thaler (1980) destaca que os lobistas da indústria de cartões de crédito, com o crescimento do uso do “dinheiro de plástico” nos anos 1970, forçaram que o texto da legislação que norteava as regras para os cartões apresentasse a diferença entre o preço do pagamento em dinheiro para aquele com cartão de crédito como sendo um “desconto” para pagamento em dinheiro e não como “juros” pelo pagamento com cartão. Até hoje é assim, tudo é dividido “sem juros”, mas se você quiser pagar à vista poderá obter um “desconto”. Note como só há palavras “positivas” (“sem juros” e “desconto”) na formulação dessa lógica. Ora, o que será que aconteceria se a formulação fosse “compre à vista por ‘x’ e pague a prazo por ‘x + y’”? A percepção dos juros ficaria mais evidente e negativa.

A pandemia do coronavírus tem sido um poderoso laboratório para as experiências da mídia sobre a aplicação do efeito framing. O Brasil vinha tendo médias de mortes de mais de 3 mil casos diários no segundo trimestre de 2021. Com o avanço da vacinação, esses índices, felizmente, foram caindo. Dependendo do direcionamento político de um determinado veículo de comunicação, a notícia da queda do número de mortes para menos de 1 mil casos por dia pode ser dada de uma dessas possíveis formas: “Brasil registra queda no número de mortes diárias” ou “Brasil continua com mortes diárias acima de 900”. Outra maneira seria focar no número de mortes acumuladas, caso se queira dar um enquadramento negativo: “Brasil soma mais de 570 mil mortes acumuladas pelo coronavírus”; ou positivo: “Mais de 90% das pessoas com Covid-19 sobrevivem”. Sobre a vacinação, pode-se dar um tom positivo como: “Vacinação avança pelo Brasil e mais de 150 milhões já tomaram ao menos uma dose” ou negativo: “Menos de 30% da população tomou as duas doses da vacina”.

O efeito do enquadramento deve ser visto como algo muito perigoso para o processo decisório, pois envolve o viés de quem estruturou a notícia e o que se deseja dar foco. No ambiente político, isso é visivelmente óbvio, de modo que sendo você defensor ou opositor de um governo ou partido encontrará nos fatos os elementos para montar a sua “verdade”, sem aspas, inclusive. No contexto dos investimentos isso também precisa ser considerado.

Pesquisa de Monteiro e Bressan (2021) mostra que a percepção de risco por parte dos investidores de renda fixa e variável sofre o efeito do enquadramento. Os resultados desse estudo mostram que os investidores podem apresentar comportamento decisório divergente frente à configuração de retorno de um determinado ativo. Combinando a exposição a resultados na forma de gráficos e índices com a interpretação dos resultados apresentada por analistas e portais de notícias econômicas, o que se pode dizer é que o investidor precisa estar muito atento para não cair em armadilhas.

É preciso considerar, contudo, que essas armadilhas não estão, necessariamente, em “mentiras” apresentadas na configuração dos dados e eventos. Pelo contrário, o efeito enquadramento, geralmente, vale-se de dados reais e informações verdadeiras, ajustando a forma de exposição de maneira que atenda a uma ou outra direção (positiva ou negativa), conforme seus interesses. O senso crítico do leitor e a combinação com outras fontes de informações e ainda a busca pelo dado original é a melhor forma de não cair nas “pegadinhas” do efeito framing.

Em outras palavras, cuidado com o que você anda lendo ou ouvindo por aí. Pode até ser que tudo seja verdade, mas a cor que essa verdade está sendo colorida pode levar alguém a ver um verde onde deveria enxergar vermelho, ou vice-versa. Se a exposição dessas cores estiver sendo apresentada a alguém daltônico o resultado pode ser ainda mais desastroso. E você, já se viu enredado pelo efeito framing ou se considera “vacinado”? Faça o teste, lendo as notícias de hoje dos principais portais de notícias e dos canais de televisão e tire suas próprias conclusões.

 

Robson Braga
Sócio-fundador da BR2 Consultoria Empresarial
Professor de Finanças da Universidade do Estado da Bahia

 

  • Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decision under risk. Econometrica47(2), 363-391.
  • Monteiro, B. A., & Bressan, A. A. (2021). Efeito de enquadramento da informação na percepção de risco em investimentos. Revista Contabilidade & Finanças32, 285-300.
  • Thaler, R. (1980). Toward a positive theory of consumer choice. Journal of economic behavior & organization1(1), 39-60.

Redação BR2

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